Em tempos de
, vivemos momentos duros. Em vez de se pensar políticas para educação sexual nas escolas, inclusão do estudo de gênero nos planos de ensino, a ministra prega abstinência como saída. Em vez de a ministra pensar políticas para o enfrentamento da violência sexual contra meninas, corrobora com o desmonte orçamentário da Secretaria das Mulheres e, ao mesmo tempo, se ampara em debates rasos, como campanha contra “ideologia de gênero”.
Por outro lado, penso ser problemático cair no extremo de
. Ter uma boa consciência sobre sexo deveria ser entender o que se quer. Com sexo, vem responsabilidade, tanto de sexo seguro, quanto de entender a parceira e o parceiro como sujeitos. Numa sociedade onde meninos são , criam-se condicionamentos do prazer. Mulheres são tratadas como instrumentos e não vistas como alguém para se trocar. Somos ensinadas que, para agradar, devemos nos apegar a uma performance subordinada ao prazer masculino. Muitas de nós só vão descobrir do que gostam após muito tempo de autoconhecimento, outras podem até transar muito, mas sem conhecer o gozo. Quantas de nós já tivemos experiências horríveis ao sermos tratadas sem respeito algum ao nosso prazer?
Apesar de muitas mudanças, ainda existem tabus sobre o corpo da mulher, ao passo que os meninos, para serem “sujeitos homens”, são ensinados a se masturbar, consumir mulheres, lógica de consumo que passa por expor corpos nus de mulheres na publicidade, na dramaturgia, nas revistas masculinas, em sites e redes sociais.
Quantas vezes percebemos o quão desnecessário era mostrar o corpo de uma atriz em uma cena, por exemplo? Com isso, não estou em absoluto me colocando contra o nu; estou a refutar uma ideia de um nu condicionado ao consumo masculino.
Ser feminista heterossexual já me trouxe situações inusitadas, como, ao dizer não para um jovem, ele me questionar: “Mas você não é feminista e libertária?”. Ou seja, se eu digo não, estou sendo moralista, em vez de se entender que é um direito.
Não há liberdade que seja condicionada ao prazer absoluto do homem. Ou, quando eu digo que nunca gostei de sexo casual e prefiro ter relações com mais significado, sempre vinha a pergunta: “Por que você não se liberta?”. Ser liberta é ter que transar com várias pessoas? Não julgo quem tem muitos parceiros ou curte essa casualidade. Cada um, cada um. Porém, é um tanto problemático impor um modelo de liberdade ligado ao número de parceiros que se tem.
Mulheres negras são ultrassexualizadas nessa sociedade de herança colonial. É como se tivéssemos que estar disponíveis para sexo. São vários os
que sofremos por parte de homens brasileiros desde muito cedo, de gringos sem noção que vem ao Brasil e se sentem autorizados a tocar o nosso corpo ou a despejar impropérios.
Isso sem falar no preterimento, de
serem vistas somente para casualidades e não para se ter uma relação mais profunda. O “transar muito” para nós, muitas vezes, é de madrugada, sem carinho, às escondidas, em chats privados. Quando se é uma mulher padrão, se esquece que existem aquelas em celibato forçado pelo preterimento ou por serem vistas como as chatas raivosas, ou ainda, pela escolha de não querer ser a sobra da festa, por não aceitar negociar sua humanidade.
Num país em que os corpos nus das mulheres podem ser mostrados para consumo, mas falar de sexo e masturbação feminina ainda é tabu, seria interessante, em vez do “transem muito, jovens”, buscarmos conhecer melhor nossos corpos e desejos. Ensinar aos jovens que mulheres não estão ali para serem objetos de prazer. Cuidar para que adolescentes não sejam expostos à pornografia sem o mínimo critério e limite, sobretudo, em tempos de redes sociais e de fácil acesso a essa produção.
Poderíamos dizer também: transem muito, se assim quiserem, se isso fizer sentido, mas sejam responsáveis. E essa discussão está longe de ser moralista ou, como muitos gostam de acusar, de “mulheres ressentidas”.
Poder discutir com verdade e sem medo nossa sexualidade é um objetivo a ser alcançado. Numa sociedade em que somos ensinadas a não dizer não, dizê-lo é uma conquista.
Djamila Ribeiro
Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.
Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.
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