quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Mulheres muçulmanas relatam abuso sexual na peregrinação a Meca

Movimento iniciado por paquistanesa já reúne milhares de relatos e incomoda islã

Mulheres muçulmanas romperam neste mês um persistente tabu ao denunciar em escala inédita o abuso sexual que sofreram durante a peregrinação a Meca, a cidade mais sagrada do islã.
O movimento começou com o relato de uma jovem paquistanesa. Ela contou em uma rede social que sentiu uma mão agarrá-la pela cintura enquanto circulava a Caaba, o cubo negro no centro de Meca na direção do qual muçulmanos rezam.
“Achei que fosse um erro inocente”, escreveu. Então percebeu algo pressionado contra suas nádegas, um toque e um beliscão. Petrificada, deixou o recinto sagrado. Nunca mais retornou.
A história estimulou milhares de outras muçulmanas que guardavam segredo sobre experiências parecidas a compartilhar seus casos.
“Enquanto eu circundava a Caaba, senti uma mão na minha bunda”, diz a egípcia Alaa Fowlia, 21, à época adolescente. “Sei que o assédio existe em todos os lugares do mundo, mas não esperava isso durante esse ritual.”
Inspirada pelos relatos, a ativista egípcia Mona Eltahawy, 50, escreveu sobre suas próprias experiências e criou o movimento #MosqueMeToo, coletando outras denúncias. O nome parte do protesto feminista #MeToo (eu também, em inglês) e adiciona a ele a palavra mesquita.
“Foi emocionante ver outras mulheres muçulmanas falarem sobre algo tão tabu”, escreveu Eltahawy em artigo para o “Washington Post”. Aos 15 anos, durante a peregrinação dela a Meca, um policial apalpou seus seios. “Algo dentro de mim quebrou, e demorei anos para reconhecer isso. Foi só quando cresci que aprendi a chutar, estapear e cuspir no abusador.”
INCÔMODO
Histórias como a de Eltahawy e de outras tantas mulheres que se expuseram na internet incomodam dentro da comunidade. Meca é o cenário das histórias de piedade vividas pelo profeta Maomé no século 7, segundo a fé islâmica, cenas que seguem até hoje no centro dessa religião.
A peregrinação à cidade é uma das cinco obrigações de todo muçulmano, como a reza cinco vezes ao dia e o jejum durante o mês do ramadã.
Eltahawy foi criticada por colegas de fé. “Preferiam que me calasse para que os muçulmanos não ficassem com uma imagem ruim”, escreveu. Em meio aos ataques verbais sofridos por quem compartilhou as histórias, diversas outras mulheres optaram por não revelar seus nomes. A paquistanesa que inaugurou o movimento fechou sua conta no Facebook.
Khadija, 52, contou a história utilizando apenas o primeiro nome. Foi em 2010. Ela entrou em um táxi e, minutos depois, o motorista apertou suas coxas com a mão.
A mulher deixou então o veículo e entrou em outro. O segundo taxista lhe disse ter uma surpresa: mostrou-lhe o pênis. “Não falei nada. Saí do carro e comecei a caminhar sem olhar para trás. Meu coração batia forte e, por um tempo, eu não consegui falar sobre aquilo.”
Até que Khadija leu os relatos de outras muçulmanas —e também as críticas às vítimas. “Pediam que não contássemos o que aconteceu porque mancharíamos a imagem de um lugar sagrado como Meca”, diz. “Isso me irritou, e decidi escrever sobre aquilo que eu vi.”
Diogo Bercito

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Uma pessoa trans é morta a cada 48 horas no Brasil

Em 2017, foram 185 mortos, maior número já registrado por observatório de violência trans. No mês da Dia da Visibilidade Trans, Ponte publica série especial

Em 2016, o Brasil havia assumido o posto de recordista em números absolutos de homicídios da população trans, com 144 mortes, sendo São Paulo o estado com o maior número reportado de homicídios. Com os dados fechados, 2017 superou o ano anterior: 185 assassinatos.
Os dados são do Dossiê: A carne mais barata do mercado, lançado no início deste ano, com dados do Observatório da Violência mantido pelo site Observatório Trans.
O site mantém a seção com dados atualizados em tempo real das mortes em 2018, baseados em informações de sites de notícias e redes sociais. Até 17 de janeiro, foram 4 assassinatos.
Tanto o dossiê como o Observatório da Violência são elaborado por Sayonara Naider Bonfim Nogueira, professora da Universidade Federal de Uberlândia, especialista em coordenação pedagógica, e Euclides Afonso Cabral, professor da Universidade Federal de Uberlândia, especialista em educação para jovens e adultos, em janeiro de 2018, que são integrantes do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), formado por professores travestis e transexuais.

No mês em que se comemora o Dia Nacional da Visibilidade Trans, em 29 de janeiro, a Ponte publica, a partir de hoje, uma série de reportagens sobre o tema, incluindo sete perfis de pessoas trans originalmente produzidos para o meu livro TRANSRESISTÊNCIA, escrito no ano passado como trabalho de conclusão do curso de jornalismo do Fiam-Faam Centro Universitário.
Brutalidade
A transfobia, preconceito baseado na identidade de gênero, permeia a motivação principal destes crimes brutais: 95 das mortes foram por tiro, 32 por facadas e 20 por espancamento. O perfil das vítimas é bem parecido: 95% das vítimas fatais eram mulheres trans ou travestis, 42% eram negras e 120 eram profissionais do sexo.
Em 2008, quando as mortes começaram a ser registradas, o número de assassinatos foi contabilizado em 57 homicídios.


Campeão de mortes em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar do mundo quando se leva em conta o número de pessoas trans assassinadas a cada 100 mil habitantes, segundo o Dossiê do IBTE. Em números relativos, o campeão mundial é Honduras, seguido por El Salvador e Brasil.
A profissão das transgêneras assassinadas demonstra uma realidade de toda a população T, que precisa recorrer a trabalhos informais para sobreviver. De acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 90% da população trans está na prostituição.
A região Nordeste é a líder nos assassinatos, concentrando 39% dos casos. Depois vem o Sudeste, com 33%. Os estados que mais tiveram assassinatos da população trans no ano passado foram: São Paulo (21), Minas Gerais (20), Bahia (17), Ceará (16), Rio de Janeiro (14), Pernambuco (13) e Paraíba (11). Todos os estados brasileiros contam com ao menos uma morte, como é o caso de Acre, Roraima, Amapá e Rio Grande do Norte.
Paloma Vasconcelos

#CarnavalElesPorElas – A responsabilidade sobre o assédio é do assediador, por Nadine Gasman

Artigo publicado no blog #AgoraÉQueSãoElas, da Folha de S. Paulo, em 5 de fevereiro de 2018

#CarnavalElesPorElas   A responsabilidade sobre o assédio é do assediador, por Nadine Gasman/planeta 50 50 noticias elesporelas heforshe direitosdasmulheres destaques carnaval
                                                                             Foto: Paula Molina e Henrique Fernandes/Divulgação

Por Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil
Não é de hoje que as mulheres estão lutando pelos seus direitos, mas a sensação é que finalmente o ponto de chegada está no horizonte. É que, se por um lado, ainda temos que enfrentar preocupantes demonstrações de conservadorismo que ameaçam seus direitos, por outro, estamos vivendo um tempo de importantes manifestações das mulheres e de suas organizações, que utilizam-se de diferentes espaços para ganhar força e se fazerem ouvir.
Seja nas ruas, na TV, nas redes sociais, ou numa conversa, quando as mulheres compartilham as suas histórias de assédio sexual e criam uma rede de apoio, mostrando para o mundo a dimensão do problema, o papel dos homens é ouvir. Apenas ouvindo, reconhecendo o problema e se responsabilizando por ajudar a eliminá-lo, que os homens poderão apoiar as mulheres.
Movimentos como o #MeToo (“eu também”, na sigla em inglês), que viralizou nas redes sociais no último ano e chamou a atenção dos homens para os seus próprios comportamentos nocivos, não serão interrompidos no Carnaval. Isso porque a celebração, que é um patrimônio cultural do Brasil, é marcada também pela cultura do assédio sexual. Nos quatro dias de feriado do Carnaval do ano passado, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) registrou mais de dois mil atendimentos a mulheres vítimas de diversos tipos de agressão.
Dentro e fora do contexto de Carnaval, é preocupante quando, ao invés de procurar se educar sobre quais de seus comportamentos estão perpetuando essa forma de violência, os homens escolhem justificar o assédio como paquera. Esse questionamento é um recurso bastante utilizado para invalidar as denúncias das mulheres. As mulheres têm o seu espaço invadido, o seu corpo desrespeitado, os seus direitos violados, sua segurança ameaçada, e os homens seguem defendendo que o assédio era apenas uma paquera. Mas assédio NÃO É paquera.
Essa é a razão pela qual, neste Carnaval, o movimento de solidariedade pela igualdade de gênero ElesPorElas HeForShe, da ONU Mulheres, está lançando uma campanha para falar diretamente com os homens e apontar, de uma vez por todas, que o limite entre a paquera e o assédio é o RESPEITO.
O conceito da campanha é extremamente simples e fácil de entender: a não ser que a mulher peça, ela não está pedindo. Se ela disse que não, ela não quis dizer que sim. Se ela se desviou, ela não quer ser tocada. Se ela não estava consciente, ela não concedeu nada.
Nós vamos expor da maneira mais óbvia para que não restem dúvidas: Quando falamos de respeito, não é difícil concluir que linguagem ofensiva não é elogio. Puxar o braço não é paquera. Insistir, quando ela já disse que não quer, não é legal. Se aproveitar fisicamente das mulheres em situações em que elas estão vulneráveis é estupro.
A paquera é saudável, divertida e dinâmica. O assédio é agressivo e acaba com a festa. Por isso, combater o assédio não significa que a diversão acabou. Significa que as mulheres também têm o direito de se divertir no Carnaval sem serem desrespeitadas. Não importa o tamanho da saia, nem o jeito que ela dança, nem o lugar onde ela estava. Se ela não concedeu, com linguagem verbal ou corporal, a abordagem é, de fato, assédio sexual.
A diferença é simples, mas o tema é complexo. Cabe aqui também uma reflexão sobre mudar a forma como nos relacionamos para que a mensagem fique mais evidente. É tempo de romper com a divisão dos papeis com base em estereótipos de gênero, onde os homens são dominantes no momento da paquera. É tempo de eliminar, de uma vez por todas, a ideia de “joguinho”, pois ele abre espaço para interpretações erradas de que pressionar, manipular e invadir o espaço das mulheres faz parte da paquera.
No entanto, a opressão ainda é muito presente, por isso o movimento das mulheres vem buscando criar condições mais favoráveis para que elas se sintam confortáveis para dizer NÃO para que os homens recuem. Isso requer a conquista de espaços seguros para que elas também possam exercer a sua liberdade de dizer SIM sempre que tiverem vontade.

A mensagem do #CarnavalElesPorElas é, portanto, bem simples. Homens, o negócio é o seguinte: a paquera não-agressiva e não-violenta está liberada. As mulheres poderão fazer o que elas estão a fim e os homens terão que respeitá-las. A responsabilidade do assédio é do assediador e não de quem é assediada.

Um olhar sobre as mulheres acusadas de crime de aborto

Quando escolheu qual seria o tema de seu trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social, com ênfase em jornalismo, Mariana Ghirello quis ir além da tradicional pergunta: “Você é contra ou a favor à legalização do aborto?”.

Ao lado de Jaqueline Palma, Karina Koch, Fabio Oliveira e Fabiola Ietto, colegas de classe na Fapcom (Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação), ela decidiu investigar o que acontece com as mulheres acusadas do crime de aborto e processadas judicialmente.
“Queríamos ampliar o debate mostrando um lado do tema que quase não se fala. Nossa pergunta era: “você é a favor que uma mulher que fez aborto deva ser criminalizada e presa?”, lembra.
Na visão de Mariana, a imprensa ignora o que acontece na justiça com essas mulheres. E se essa mulher já é mãe e tem filhos para cuidar e sustentar, ainda assim, você acha que ela deve ir para a prisão?”
A conclusão do trabalho apontou que as mulheres processadas na maioria das vezes são pobres. “A lei, supostamente, é para todos. Mas na prática, aplicada apenas contra a população mais vulnerável e de classes mais baixas, demonstrando algo que muitas pesquisas já abordavam: a lei serve apenas os pobres, negros e, nesse caso, mães.
Mariana Ghirello (Foto: Arquivo Pessoal)
Para a jornalista, o desafio para a realização do TCC foi encontrar os processos referentes a esse tipo de caso e conseguir o depoimento das acusadas. “Fizemos um bom trabalho de pesquisa. Não é fácil entender a linguagem jurídica, o que pode afastar muitos estudantes desse desafio.  Mas a justiça ainda é pouco explorada pelo jornalismo e necessita desse olhar mais apurado”, conta.
O principal aprendizado após a realização do trabalho, além das questões jurídicas e de saúde, foi entender a situação das mulheres que praticaram um aborto. Segundo Mariana, as acusadas já eram mães, trabalhavam em subempregos, moravam de favor e nenhuma delas tinha graduação.
O trabalho de Mariana e seus colegas ainda foi selecionado para o Congresso Nacional de Comunicação (Intercom), na categoria experimental, e chegou entre os finalistas da premiação nacional. “Nosso TCC sempre foi muito elogiado porque realmente surpreende muito os ouvintes. O mais rico dessa experiência foi poder levar a debate um assunto que afeta a vida das pessoas diretamente, principalmente das mulheres”. De acordo com a jornalista, a oportunidade de abordar esse tema em seu TCC pode dar espaço a uma parte sem voz da população.
Para os futuros colegas de profissão, ela deixa uma dica: “acredito que o estudante deva aproveitar o momento do TCC para exercitar a investigação, livre de julgamentos e focar na pesquisa acadêmica. É interessante começar a pensar no tema do trabalho ano antes e ler bastante sobre o assunto, porque quando chega o momento de executa-lo já existe uma pesquisa prévia e o trabalho fica menos pesado.
Confira aqui o resultado do trabalho de Mariana e seus colegas da Fapcom.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Mulheres passam a procurar ajuda na primeira ameaça, revela Casa da Mulher

O perfil das denúncias mudou; Há três anos as vítimas chegavam machucadas para receber o atendimento

(Campo Grande News, 01/02/2018 – acesse no site de origem)

A Casa da Mulher Brasileira completa três anos de inauguração no próximo sábado (3) e comprova em números que a campo-grandense está se sentindo mais segura e informada. Balanço da unidade, aponta que os perfil das denúncias mudou, pois as vítimas que chegavam gravemente feridas, agora procuram auxílio na primeira ameaça.
A coordenadora geral da casa, Tai Loschi, informou em coletiva nesta quinta-feira, 1º de fevereiro, que nesses três anos foram feitos 34.631 atendimentos na recepção e, deste total, 179.877 resultaram em encaminhamentos judiciais.

 A casa da Mulher deu segurança para as mulheres de Campo Grande”, disse Tai Loschi. (Foto: André Bittar)
A casa da Mulher deu segurança para as mulheres de Campo Grande”, disse Tai Loschi. (Foto: André Bittar)

Embora os casos de tentativa de feminicídio tenham subido, Tai pontua que o perfil das vítimas evoluiu positivamente deste a chegada da Casa. As mulheres estão mais seguras.

“Quando inaugurou a casa, as mulheres que chegavam aqui estavam sempre muito machucadas, agora só com a ameaça elas já vêm para cá. A casa da Mulher deu segurança para as mulheres de Campo Grande”, disse.

A subsecretária de políticas públicas para mulheres, Carla Stephanini, complementou sobre a dificuldade que a unidade enfrentava para solucionar os problemas.

“Antes cada situação, que aparecia, tinha que ser solucionado em instituições diferentes. Agora é tudo centralizado na casa, ou seja, se eu preciso ir no juizado só vou no próximo bloco. É fundamental que a vítima perceba que está em uma situação de perigo e que há a necessidade de procurar ajuda”, disse.

A delegada titular da Deam (Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher) Ariene Nazareth Murad de Souza disse que houve aumento de 124% nos registros de boletins de ocorrência, levando em conta os casos de três anos antes da chegada da casa e dos últimos três depois da inauguração da casa.

A titular pontua que o crime mais comum é a agressão verbal, que inclui difamação, injúria e ameaças. A delegada informou que todos os femicídios na Capital foram solucionados e os autores presos e, que apesar, de as tentativas de feminicídio terem subido, os crimes consumados reduziram.

Ariene ressaltou, que o ciclo da violência se inicia na agressão verbal, e que de um total geral dos crimes, em 2015 foram – 6.195 registros, em 2016 – 7.237, e em 2017 – 7.326. A Polícia Civil ainda não informou a quantidade feminicídios nos três anos.

Danielle Valentim e Bruna Kaspary

Gravidez infantil forçada é tortura

Estuprada pelo pai, uma menina paraguaia de 12 anos teve sua primeira gravidez aos dez. Em 2015, com 21 semanas de gestação, media 1,39 m e pesava 34 quilos. Ainda que tenha sido vítima de violência sexual e que as chances de uma menina menor de 15 anos morrer no parto sejam quatro vezes maiores que as de uma mulher acima de 20, o Estado daquele país não autorizou o aborto. A súplica da mãe da vítima e a medida cautelar requerida por organizações internacionais foram ignoradas pelo governo paraguaio que se negou a enquadrar o caso como aborto terapêutico – única situação em que é permitido no país. O questionamento sobre a situação das meninas latino-americanas, a partir do caso, levou o Cladem (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) a elaborar a pesquisa “Niñas madres. Embarazo infantil forzado em América Latina y El Caribe”, publicada em 2016. A flagrante violação dos direitos das meninas, revelada no diagnóstico em 14 países, está sendo denunciada na campanha internacional #EmbarazoInfantilForzadoEsTortura (gravidez infantil forçada é tortura).



Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), a América Latina é a segunda região do mundo com maior prevalência de maternidade infantil, depois da África – onde em alguns países meninas são obrigadas a casar. Apesar das diferenças nos anos de registro de gravidezes e partos entre os países (variação entre 2014 e 2016), o levantamento atualizado pelo Cladem Jugar o Parir – Embarazo Infantil Forzado en América Latina y el Caribe detectou na região pelo menos 75.559 mil nascimentos em que as mães são menores de 15 anos.
O estudo identificou que a cada ano milhares de meninas ficam grávidas por abusos sexuais e são forçadas a continuar a gravidez devido a “legislações baseadas em crenças e não em direitos”.
“Há uma lógica patriarcal de controle do corpo da mulher, neste caso de meninas. Isso também é fruto da ausência do Estado laico”, analisa Elba Núñez, coordenadora regional do Cladem.
No mundo, os partos de meninas nessa faixa etária alcança a cifra de 1.100.000 por ano. Em geral, as taxas de fertilidade dos adolescentes são maior nas áreas rurais e entre as meninas mais pobres e com menor nível educacional.
Campanha
A campanha #EmbarazoInfantilForzadoEsTortura denuncia a impunidade da violência sexual contra meninas e exige o reconhecimento da gravidez forçada como tortura. É pedagógica ao distinguir gravidez na adolescência – que pode ser fruto de uma iniciação sexual precoce – de gravidez na infância, caracterizada na maioria das vezes pela violência sexual exercida por integrantes da família ou conhecidos.
O estudo esclarece que no momento em que a menina se torna mãe são cometidos três tipos de violação: “o primeiro, impondo um relacionamento sexual indesejável; o segundo, forçando-a a realizar uma gravidez que não procurou; e o terceiro, obrigando-a a ser mãe contra a vontade”.
Entre as onze recomendações e conclusões do balanço estão a tipificação do estupro incestuoso – um dos motivos mais comuns de gravidezes infantis na região – no código penal e a criminalização da gravidez e maternidade infantil forçada, penalizando aqueles que impeçam o acesso ao aborto.
“Trata-se de uma tripla tortura converter meninas em mães. Estamos falando de uma flagrante violação que estava naturalizada, invisível pela influência fundamentalista, ausência de leis e políticas que tratem dessa problemática. Está relacionada ao nível de impunidade. Começamos a dizer incansavelmente que isso existe e exigir que estados cumpram, previnam, punam e erradiquem essa prática”, afirma Elba.
 

Aborto

A América Latina possui as legislações mais restritivas para a prática do aborto e o acesso a contraceptivos ou anticoncepção de emergência pode ser difícil ou impossível para uma menina. A interrupção é proibida em todas as situações em países como El Salvador, Honduras, Nicarágua e República Dominicana. O estudo apontou que em outros países, apesar da violação ou os riscos para a saúde ou a vida serem causais que permitem o término da gravidez, o acesso ao direito foi negado em muitas ocasiões ou não existem protocolos para implementá-lo.

A campanha exige que os estados cumpram o compromisso internacional do Consenso de Montevidéu sobre População e Desenvolvimento – aprovado por representantes de 38 países em 2013 – de tornar efetivas ações que levam à erradicação de todas as formas de violência contra as mulheres e meninas.

A gravidez infantil forçada ocorre quando uma menina fica grávida sem ter procurado ou desejado, e a interrupção é negada ou dificultada.

Desde 1998 a gravidez forçada é considerada um crime de guerra ou contra a humanidade pelo Estatuto de Roma – tratado que estabeleceu a Corte Penal Internacional – quando as gravidezes e as maternidades infantis são cometidas no contexto de um conflito armado.
“Nossa luta é para instalar o tema da gravidez infantil forçada como uma forma de tortura, conforme estabelece a Corte Internacional. Mesmo em contexto de paz e em supostas democracias, as meninas estão sendo triplamente torturadas”, manifesta a coordenadora do Cladem.

Números

O estudo revelou que há um “padrão de violência estruturado no ocultamento da informação e renúncia dos estados de colocar a pauta na agenda pública”. Nos 14 países estudados não há dados oficiais sobre gravidez de meninas com menos de 14 anos – exceto em El Salvador. Os números disponíveis sobre as gravidezes são os mesmos dos partos de meninas dessa idade. Não é possível saber nem mesmo se tiveram acesso aos cuidados pré-natais ou quantas gravidezes resultaram em abortos. As estatísticas sobre gravidez na adolescência formada a partir de diferentes idades, em geral até 19 anos, tampouco permitem uma avaliação adequada da situação das meninas.

Apenas o Brasil e El Salvador fornecem alguns dados sobre gestação nessa faixa etária. Em 2013, 28.236 meninas realizaram pré-natal no Brasil. O país é um dos quatro que têm dados sobre a mortalidade materna nesse grupo. Registrou 26 mortes em 2010; 16 em 2011; 23 em 2012 e 14 em 2013.

Segundo o Datasus (banco de dados do Ministério da Saúde), que reúne os registros de maternidades e cartórios, 305 mil brasileiras de 10 a 14 anos tiveram filhos entre 2005 e 2015. Somente em 2015, foram registrados 26.700 nascimentos.

Em El Salvador havia 1.540 gravidezes infantis em 2013, constituindo 1,9% do total. Apenas dois terços dessas gravidezes (1.057) chegaram ao parto. Segundo o estudo “Abortus interruptos: política e reforma legal do aborto no Uruguai”, em 2011, o suicídio foi a causa mais comum de morte em El Salvador entre meninas e adolescentes de 10 a 19 anos. Metade delas estava grávida.

Imagem extraída do estudo (Foto: Lorena Espinoza)

Educação sexual empodera

A educação sexual integral é tida como chave entre todos os programas para prevenir a gravidez infantil, impactando diretamente no “empoderamento de meninas e meninos que podem se opor com maiores recursos a relações sexuais não desejadas”. A implementação desses programas, no entanto, têm sido dificultada na maioria dos países pelos setores conservadores.

No Brasil, a campanha iniciada em 2015 para retirar a palavra gênero dos planos de educação resultou na eliminação das normas sobre educação sexual em quase todo os planos estaduais. A Unesco defende que a educação sobre sexualidade e gênero deve começar desde os cinco anos para meninas e meninos. Isso nunca foi implementado.

“Estamos disputando o que já havíamos conquistado. São os chamados grupos anti-direitos que apontam cumplicidade com essas violências. Ao privar a perspectiva de gênero estão naturalizando o abuso sexual e condenando meninas à maternidade forçada. A gravidez forçada pode ser considerada, em último caso, pena de morte, se pensarmos que os riscos de uma menina grávida morrer é quatro vezes maior”, examina Elba.

O levantamento diagnosticou a falta de “supervisão efetiva” para evitar o uso instrumental das mulheres – incluindo meninas – recorrente nos países onde é difícil acessar a interrupção da gravidez resultante de estupro. Muitas casas de apoio e abrigos oferecidos pelo Estado são mantidos por igrejas, cujos discursos valorizam o estereótipo da procriação em lugar da autonomia reprodutiva da mulher. Os países também são omissos com a responsabilidade de monitorar se há uma conexão entre esses abrigos e organizações de adoção.

“A manutenção da gravidez de meninas é sempre resultado de um delito relacionado a uma intervenção psicológica de tortura e a processos de cooptação grave, especialmente quando é motivada pela defesa da adoção”, observa a representante.
O Comitê Cedaw (Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e o Comitê sobre os Direitos da Criança catalogaram a gravidez forçada e os casamentos infantis como práticas nocivas que afetam seriamente os direitos das meninas.

Impactos à vida das meninas segundo o estudo

– Quase metade das meninas que experimentam gestações forçadas abandonou a escola;
– Há mais chances de complicações durante a gravidez e parto, que nesta idade são de alto risco;
– Aumentam os riscos de pré-eclâmpsia, eclâmpsia, rompimento de membranas, parto prematuro e diabetes gestacional;
– Cinco vezes mais chances de fístula obstétrica;
– Consequências para a saúde mental como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático;
– Maior risco de desenvolvimento de pensamentos suicidas;
– Oportunidades de trabalho mais restritas.

Aborto para meninas até 14 anos é direito no Brasil

O parto de uma brasileira de dez anos em Belo Horizonte, também em 2015, é outro exemplo de descaso citado no balanço. Ninguém sabia da gravidez da menina, até que ela entrou em trabalho de parto e foi levada às pressas por professores ao hospital. O bebê de setes meses nasceu saudável apesar da pouca idade da menina. A suspeita é que tenha sido estuprada pelo seu padrasto de 40 anos, que já era acusado de violação de uma criança e posse ilegal de armas de fogo.

A interrupção da gravidez é permitida no Brasil em caso de estupro, gravidez que coloque em risco a vida da mulher e anencefalia fetal. Para a legislação, o aborto legal é sempre um direito das meninas nessa faixa etária, já que o Código Penal define como “estupro de vulnerável” o ato de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, independentemente de ter havido violência real”.

A Secretaria de Direitos Humanos informa que há três relatos de abuso sexual de meninas e adolescentes por hora. A violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes relatada ao Disque Direitos Humanos (Dique 100).
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, o Brasil registrou 49.497 ocorrências de estupro em 2016. Do total, 70% são crianças e adolescentes, conforme estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), publicado em 2014, com base em dados do Sinan. O órgão estima que cerca de 7,1% dos casos de estupro levem a uma gestação.

análise comparada dos dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) com o Sinasc (Sistema de Nascidos Vivos) de mães até 13 anos, no período de 2011 a 2015, mostra notificação de 32.809 estupros que culminaram em gravidez. Os números de aborto legal, no entanto, estão muito abaixo. Em 2016, foram realizadas 1.678 interrupções nos hospitais do país (incluindo todas as situações legais), segundo informou o Ministério da Saúde (MS). Mato Grosso do Sul, o estado que registrou a maior taxa de estupros nesse ano, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 54,4 para cada 100 mil habitantes – realizou somente duas interrupções por esse motivo.

A norma técnica do MS Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes visa garantir o acesso ao aborto legal. Entre as barreiras, porém, estão a falta de informação acerca do direito e de quais hospitais realizam o serviço no país. A assessoria de imprensa do ministério informou que as unidades conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) que tenham maternidade devem disponibilizar o procedimento, o que não acontece na prática.
Paula Guimarães


Ufac convoca aprovados pelo Sisu para matrícula

Passada a etapa de seleção para entrada na Universidade Federal do Acre (Ufac), é chegada a hora de oficializar a matrícula na instituição. Os aprovados têm o prazo de sete dias, a partir desta quinta-feira, 1, para preencher os dados solicitados no sistema, disponível no endereço eletrônico sistemas.ufac.br/sisu.
Além disso, devem entregar os documentos exigidos no Núcleo de Registro e Controle Acadêmico (Nurca), para alunos do campus-sede, ou no Laboratório de Informática, para estudantes do campus Floresta, em Cruzeiro do Sul. O prazo termina às 17h da próxima quarta-feira, 7.
O cadastro pela internet equivale à primeira etapa da matrícula do estudante que, com este comprovante em mãos, deverá se dirigir à universidade portando os demais documentos exigidos, originais e cópias ou cópias autenticadas em cartório. São eles:
Certificado de conclusão do ensino médio ou histórico escolar;
Documento de identificação oficial com foto;
CPF;
Comprovante de residência atual;
Título de eleitor, com comprovante de votação da última eleição ou certidão de quitação eleitoral emitida pelo Tribunal Superior Eleitoral ou Tribunal Regional Eleitoral (somente estudantes brasileiros maiores de 18 anos);
Comprovante de regularidade com o serviço militar (somente estudantes brasileiros maiores de 18 anos e do sexo masculino).
Aprovados em vagas destinadas a egressos do ensino médio em escola pública ou reservadas a candidatos com deficiência deverão apresentar documentações extras para comprovações necessárias, conforme o edital disponível no site da Ufac.
Os estudantes de graduação em outra instituição pública de ensino superior ou acadêmicos da Ufac serão obrigados a optar por apenas uma vaga (lei n.º 12.089/2009). Nesse caso, o formulário gerado pelo próprio sistema eletrônico deverá ser anexado ao conjunto de documentos exigidos, o qual deverá ser entregue pelo próprio aluno ou mediante procuração particular, outorgada especificamente para esse fim, exceto para os candidatos com deficiência, que deverão ser submetidos à avaliação médica.
A publicação das matrículas institucionais deferidas e indeferidas será divulgada no site da Ufac no dia 9 de fevereiro. O candidato que não realizar qualquer uma das fases de matrícula institucional, no local, nas datas e horários definidos pela Ufac, perderá o direito à vaga para a qual foi classificado.

Ascom Ufac