Existe racismo na sala de aula, e ele começa na educação
infantil. Isso é o que afirma Ellen de Lima Souza, mestre e doutoranda do
Programa de Pós-graduação em Educação da UFSCar (Universidade Federal de São
Carlos) e diretora do Itesa (Instituto de Tecnologia, Especialização e
Aprimoramento Profissional).
Segundo a pedagoga, a
escola normalmente é um ambiente inóspito para as crianças negras. Ellen
estudou como elas são vistas por professoras de educação infantil e constatou
duas visões distintas: o negro que gera nas docentes piedade (uma postura
paternalista) ou expectativa (que deve necessariamente assumir uma postura
ativista). Para mudar essa realidade, ela propõe que os professores assumam uma
postura de protagonismo em sala de aula, de geradores de conhecimento, para
trabalhar a autonomia e a independência nas crianças.
UOL Educação – Crianças
também podem ser racistas?
Ellen de Lima Souza – Sim, podem. E são. As pessoas não
esperam que elas reproduzam atitudes racistas. Depois da família, o primeiro ambiente
de socialização é a escola, onde a criança é mais exposta ao racismo.
UOL – De que forma o
preconceito se apresenta em sala de aula?
Souza – Quando você tem criança que se
recusa a se sentar ao lado de outra negra, que diz que tem nojo de negro, que
vê o negro sempre em papéis de subalternidade; quando crianças negras não são
selecionadas a participar ou não têm protagonismo em atividades culturais,
festas. Isso faz com que as crianças naturalizem a desigualdade e reproduzam
ofensas, como quando dizem que o negro é feio, burro, cheira mal e outras
coisas bastante pesadas.
UOL – Como os
professores costumam tratar o tema na educação infantil?
Souza – Na minha dissertação [de mestrado],
fui buscar professoras premiadas pelas práticas que já exerciam, de uma
educação para a igualdade, e percebi que elas são atingidas por duas percepções
básicas em relação aos negros: um sentimento forte de paternalismo, ela tem
pena da criança negra, entende que ela vai necessariamente sofrer o racismo, e
tem um sentimento de piedade; a outra percepção é a que gera nas professoras
uma expectativa de que a criança negra tem que ser ativista. Por outro lado,
existem as professoras que não têm essa consciência de uma educação para a
igualdade. Essas acreditam que o Brasil vive uma democracia racial, trata o
negro com indiferença e pune a criança negra com muita frequência. Aliás, desde
bebês, as crianças negras são mais punidas do que as crianças brancas, recebem
apelidos depreciativos e, nas situações de conflito, são as preteridas ou as
culpadas.
UOL – Então como o tema
deve ser tratado em sala de aula?
Souza – Na dissertação, a primeira coisa que
eu proponho é que o professor crie metodologias e didáticas, ele é o
protagonista em sala de aula, tem um papel social, é alguém que garante
direitos, que deve ver o sujeito como autor e não reprodutor do conhecimento.
Depois, eu trabalho com três conceitos básicos, baseados na mitologia iorubá:
as perspectivas da ancestralidade, da corporalidade e da oralidade. Esses
conceitos ajudam a criança, seja negra ou não negra, a desenvolver sua
identidade, suas relações, desenvolver a emoção, física e intelectualmente, das
várias formas possíveis. O professor precisa lidar com as crianças para
potencializar e valorizar a condição de ser negro, já que a criança aprendeu
sempre que é algo ruim. Essas perspectivas fazem com que as crianças sejam cada
vez mais independentes, autônomas, aprendam a respeitar, dão a ideia de
pertencimento étnico, de que a criança não está sozinha.
UOL – E o que fazer
quando os pais não querem que os filhos participem dessas atividades?
Souza – Eu acho que é preciso procurar o
Ministério Público, a Justiça. Ensinar história e cultura afro-brasileira é
primordial. Se esse pai ou essa mãe não quer o filho estude cultura africana e
afro-brasileira, ele deve pagar uma escola confessional. A escola pública é de
todos, é da criança negra, da não negra, da boliviana, e se você não quer que o
seu filho aprenda esses valores, tira do serviço público. A escola pública
brasileira que tem que ser laica. A gente aprendeu os valores cristãos, por que
as crianças não podem aprender parte da filosofia africana?
UOL – Quais são os
impactos de discutir racismo na educação infantil?
Souza – A criança que tem condição de
trabalhar a partir de uma educação igualitária vai além do que está posto, tem
novas perspectivas de valores, uma nova cosmologia de mundo. Ela recebe essa
gama de informações e fica com pensamento mais abrangente. Indiretamente, faz
com que ela saiba lidar com questões de gênero, de orientação sexual,
diferenças entre empobrecidos e não empobrecidos.
Marcelle Souza
Acesse no site de
origem: ‘As crianças negras são mais punidas do que as
brancas’, diz pedagoga (UOL Educação, 12/01/2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário