quarta-feira, 25 de julho de 2018

Mensagem do Cordenador Residente da ONU no Brasil por ocasião do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana, Caribenha e da Diáspora


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Coordenador residente da ONU Brasil (terceiro da direito para a esquerda) ressaltou imporrtância das mulheres negras em roda de conversa sobreo Dia da Mulher Negra Latino-americana, Caribenha e da Diáspora | Foto: ONU Mulheres/Isabel Clavelin


No Dia da Mulher Afrolatinoamericana, Caribenha e da Diáspora, e como uma homenagem à trajetória de luta das mulheres negras brasileiras, começo minha fala lembrando as palavras inspiradoras de Sueli Carneiro: “O efervescente protagonismo das mulheres negras vem desenhando novos cenários e perspectivas e recobrindo perdas históricas. A introdução dessas questões na esfera pública contribui para o alargamento dos sentidos de democracia, igualdade e justiça social, noções sobre as quais gênero e raça impõem-se como parâmetros inegociáveis para a construção de um novo mundo” (Sueli Carneiro, “Mulheres em movimento”, 2003).
Desejo homenagear a memória de outra lutadora brasileira, Carolina Maria de Jesus. Ela diz: “temos um só jeito de nascer e muitos de morrer”. Carolina Maria de Jesus, com a lucidez que lhe é peculiar, sintetizou a forma como, apesar de nossa humanidade compartilhada, as desigualdades socialmente estruturadas moldam nossas experiências, oportunidades e destinos.
Gênero e raça, e com isso nomeio o sexismo e o racismo, são elementos estruturantes da nossa sociedade. E hoje, graças à luta incansável de Sueli, Carolina Maria e muitas outras mulheres, conhecidas e anônimas, sabemos um pouco mais sobre o quão difundidos são os seus efeitos.
Sabemos, por exemplo, por dados do IPEA, que no Brasil as mulheres negras ainda não alcançaram 40% da renda dos homens brancos e ganham cerca de 60% em relação a mulheres brancas. 39,1% das mulheres negras ocupadas estão inseridas em relações precárias de trabalho.
Sabemos, também, de acordo com o Mapa da Violência, que enquanto os assassinatos de mulheres brancas reduziram 10% entre 2003 e 2013, os de mulheres negras aumentaram 54%. No Brasil, a cada 3 mulheres em privação de liberdade, 2 são negras. Além disso, o número de mulheres negras que não receberam anestesia durante o parto normal é duas vezes maior que o de mulheres brancas. Mulheres negras são sub-representadas na política, nos cargos de chefia, no governo, nos meios de comunicação.
As mulheres negras são sub-representadas também no sistema das Nações Unidas, embora estejamos trabalhando para mudar esse cenário. Temos orgulho de ter o único Grupo Temático de Gênero, Raça e Etnia da região e de contar com o apoio do comitê “Mulheres Negras rumo a um Planeta 50-50” e com a parceria dos movimentos de mulheres negras do país e da região. Precisamos melhorar, e sabemos que podemos fazer mais.
Não obstante o déficit significativo que ainda temos em relação a dados desagregados por gênero e raça, e não obstante, também, o que indicam os poucos dados de que dispomos, as mulheres negras têm estado, desde sempre, na linha de frente pela defesa dos direitos humanos. Destaco o trabalho exemplar de Marielle Franco.
Elas são uma população relevantíssima para atingirmos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e as 169 metas da Agenda 2030. O que resume melhor o espírito da Agenda 2030 do que a ideia de “Bem Viver”, que é tão caro para o movimento de mulheres negras? Ou, ainda, a filosofia ubuntu, que traz como premissa “eu sou porque nós somos” ?
As mulheres negras são um desses grupos sobre o qual pode ser dito, para lembrar Kimberlé Crenshaw: “when they enter, we all enter”, quando as mulheres negras avançam, toda a sociedade avança. Ou ainda, como disse Angela Davis, “quando as mulheres negras se movimentam, toda a estrutura da sociedade se movimenta com elas”.
Assim, para muito além dos dados, as mulheres afrolatinoamericanas, caribenhas e da diáspora são a chave para pensarmos novos sentidos para democracia, igualdade e justiça social. Levar a sério as dinâmicas em torno de gênero e raça na região é o mesmo que estender a toda a sociedade um convite para pensarmos um mundo novo – e propormos uma nova linguagem, novos conceitos, uma nova epistemologia, como Lélia Gonzalez fez ao propor o termo “Amefricanidade”.
Hoje é dia de celebrar a Amefricanidade das mulheres afrolatinoamericanas, caribenhas e da diáspora. Para encerrar, saúdo a todas as pessoas com a expressão criada por Lélia Gonzalez, misturando o iorubá e kimbundo: Axé Muntu!

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