sábado, 11 de abril de 2020

Enfermeira indígena destaca falta de água e de alimentos como desafios à prevenção do coronavírus na maior reserva indígena do Brasil

Indianara Ramires Guarani Kaiowá atua na Coordenação Técnica Polo Dourados e conta como as comunidades indígenas têm enfrentando problemas crônicos de saneamento, alimentação e falta de demarcação de territórios em meio a pandemia. Saberes tradicionais têm fortalecido a saúde emocional e espiritual em meio ao isolamento social e incertezas
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Indianara Machado Ramires Guarani Kaiowá é enfermeira e atua em região com mais de 18 mil indígenas Foto: Acervo Pessoal

Vulnerabilidades crônicas, fornecimento de água intermitente e escassez de alimentos são alguns dos desafios listados pela enfermeira Indianara Machado Ramires Guarani Kaiowá, vinculada à Coordenação Técnica Polo Dourados, à prevenção de mais de 18 mil indígenas que vivem em Dourados, localidade que concentra a maior reserva indígena do Brasil.
Em entrevista à ONU Mulheres Brasil, a enfermeira assinalou a vulnerabilidade crônica com que vivem mulheres, homens e crianças indígenas e como problemas históricos reduzem as chances de impacto negativo da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) entre os povos indígenas. O estado do Mato Grosso do Sul possui cerca de 520 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo quase 380 do Sistema Único de Saúde. Em Dourados, estão disponíveis 35 leitos de UTI para população total de 210 mil pessoas.
“Em tempos normais, nós, povos indígenas já sofremos com algumas carências de políticas públicas como saúde e educação e qualidade, saneamento básico, coleta de lixo. A própria falta de demarcação dos territórios indígenas, que é o caso de Dourados, Mato Grosso do Sul, além da falta de políticas para geração de emprego e renda nos territórios indígenas. Na região do Cone Sul, como é o caso de Mato Grosso do Sul, as comunidades são muito próximas dos centros urbanos. Em Dourados, aldeia é próxima da cidade, então tem um trânsito constante de pessoas da aldeia na cidade. Muita gente trabalha na cidade”, conta a enfermeira.
De um lado, a insuficiência de respostas políticas às demandas históricas dos povos indígenas retira-lhes a possibilidade de reagir com celeridade e assertividade a medidas emergenciais recomendadas para a prevenção da Covid-19. Por outro, os efeitos de desestruturação de redes econômicas informais são rapidamente sentidos pelas mulheres indígenas. “Muitas mulheres vão em busca de alimento na cidade, levando mandioca para trocar por arroz. O que a gente chama de mascate. Infelizmente, isso gera uma preocupação maior para nós, como comunidade”, comenta Indianara diante as orientações de isolamento social.
A enfermeira relata estratégias de mobilização comunitária e conteúdos informativos para orientar a população indígena de Dourados sobre a pandemia. “Como profissional de saúde, temos trabalhado com as lideranças, o controle social, as organizações locais para o fomento e a disseminação de informação frente ao Covid-19. Temos tentando informar à comunidade, para que a informação chegue às casas sobre o que essa doença causa, formas de transmissão, o que fazer para se precaver. Temos tentado que a informação chegue às casas das comunidades, embora a gente saiba que muitas famílias não têm acesso à água. Uma parcela muito grande tem dificuldade de acesso à água. Às vezes, a água chega uma vez por semana, três ou quatro vezes por semana. Às vezes, está disponível só num período do dia: chega de manhã, mas não chega à tarde e à noite. Isso tem gerado muita preocupação e a gente tem pautado com gestores sobre essa dificuldade. A gente precisa que haja esforço coletivo da rede para que as comunidades indígenas não sejam tão penalizadas na pandemia”, acentua.
Em relação à assistência de saúde, Indianara Guarani Kaiowá considera que esta precisa estar coordenada com um conjunto de políticas públicas para ter efeito nas aldeias indígenas. “Hoje, nós temos um plano de contingência COVID-19 nas comunidades indígenas, porém, temos problemas crônicos que afetam as nossas comunidades. Precisamos que ações emergenciais sejam realizadas para que minimizem o impacto nas comunidades. Temos trabalhado a disseminação de informação nas casas e nas comunidades, para que se empoderem sobre assuntos relacionados à doença. A orientação basicamente de agentes de saúde é para que as comunidades evitem ir para a cidade. Caso necessite ir para a cidade, que vá somente uma pessoa”, informa.
A profissional de saúde lembra que as recomendações de isolamento social implicam mudança de hábitos do modo de vida indígena. “Quando alguém vai para a cidade, leva a esposa, os filhos, toda a família. Temos orientado as pessoas para que fiquem em casa. As comunidades indígenas são comunidades coletivas, há as especificidades indígenas. Nós temos as nossas particularidades. Então, isso a gente precisa tentar adequar, dialogar e adotar forma de prevenir a Covid-19. Até hoje, em Dourados, não há nenhum caso confirmado. As equipes de saúde têm monitorado casos suspeitos e rumores de pessoas doentes [a entrevista foi realizada em 1º de abril de 2020]. As equipes de saúde têm acompanhado de perto”, reitera.
Saberes tradicionais – Cuidados tradicionais e saberes espirituais têm sido estratégias para harmonizar as comunidades indígenas frente ao temor do novo coronavírus. “Frente aos conhecimentos tradicionais, nossos anciões e anciãs têm trabalhado basicamente no fortalecimento espiritual da juventude. Têm feito rezas e cantorias para que a juventude indígena se fortaleça espiritualmente, para que a comunidade se fortaleça frente à pandemia, que tem gerado muita preocupação nas famílias. Isso tem gerado muito medo porque sabemos que há muitas vulnerabilidades nos territórios indígenas, como falta de água, falta de alimentos, falta de comida para as famílias. Como não estão indo para a cidade, a alimentação está escassa. Isso tem gerado alguns sentimentos que são preocupantes para os anciões e para nós, profissionais de saúde”, assinala.
A enfermeira acrescenta que a visibilidade da realidade dos povos indígenas é decisiva para a mobilização do poder público e a tomada de decisão. “Sabemos que algumas ações emergenciais precisam ser tomadas, como a garantia de alimentos para as pessoas que vivem nas comunidades. Não temos medido esforços para a arrecadação de alimentos nas comunidades e para as famílias que realmente necessitem dessa ajuda. Estamos trabalhando via rede. Temos que garantir que as comunidades não saiam da aldeia. E, para isso, temos que garantir que tenham acesso à alimentação e acesso à água. A gente precisa de parcerias nesse sentido para visibilizar a situação que as comunidades da região do Cone Sul estão vivenciando para que isso se torne visível e tenhamos empenho dos gestores para que tomem ação. Ações emergenciais precisam ser feitas de imediato”, conclui.

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