No início de abril, saiu na imprensa a notícia sobre o mutirão de cirurgias de cataratas realizado em um hospital de São Bernardo do Campo. Dos 27 pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico, 21 apresentaram quadro de infecção e parte dos infectados perderam a visão. O diagnóstico foi de infecção hospitalar, com a presença da bactéria do gênero Pseudomonas, que aumenta o risco de morte. Há estratégias de prevenção e controle de infecção baseadas em evidências para que eventos como esse não ocorram.
Segundo a Coordenadora Estadual de Controle de Infecção Hospitalar da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, a médica Sibelle Buonora, “a questão das complicações envolvendo os mutirões de catarata é bastante preocupante. As complicações infecciosas envolvidas no procedimento quase sempre causam diminuição da qualidade da visão e/ou cegueira. Como todo procedimento cirúrgico, na cirurgia oftalmológica há necessidade da observância dos conceitos de cirurgia segura e da tomada de medidas de prevenção às infecções relacionadas à assistência à saúde”. Sibelle Buonora explica que tais medidas de prevenção às infecções devem ser implementadas envolvendo as diretrizes de identificação correta do paciente e do órgão a ser operado, lavagem de mãos antes e após o procedimento, uso de luvas adequadas ao procedimento proposto, observância às normas de esterilização de equipamentos cirúrgicos e emprego de antibióticos adequados quando indicado.
Segundo o infectologista, Ícaro Boszczowski, coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), “a literatura médica revela que em fontes de surto de infecções oculares a contaminação de soluções (colírios) usadas de maneira compartilhada entre pacientes e falhas no processo de manutenção de assepsia e antissepsia são apontadas como os principais responsáveis pela maioria dos casos publicados”. De acordo com Boszczowski, a prevenção de infecção hospitalar é um grande desafio. O HAOC desenvolve diversas estratégias, principalmente relacionadas a procedimentos cirúrgicos, para evitar casos como esse ocorrido no mutirão de cataratas de São Bernardo do Campo. “A prevenção de infecções relacionadas a procedimentos cirúrgicos é bastante complexa e envolve desde protocolos de limpeza, desinfecção e esterilização de materiais até a observação contínua do cumprimento das técnicas de assepsia e antissepsia, uso de antibiótico profilático no momento adequado e cuidados no pós-operatório. Nós temos, portanto, indicadores de todas estas etapas sendo monitoradas continuamente. Ter rastreabilidade dos materiais usados em procedimentos cirúrgicos é extremamente importante, ou seja, saber exatamente qual material e/ou medicação foi usado em cada paciente com número de lote e data. Ao se perceber casos incomuns de infecção que aparecem de maneira agrupada, é possível identificar rapidamente se há algum material e/ou medicação envolvido e interromper o surgimento de novos casos”, afirmou.
No caso do mutirão de cirurgias para cataratas, a infecção foi causada pela bactéria do gênero Pseudomonas, que é considerada uma bactéria resistente. Para combater a resistência microbiana, um problema de saúde de preocupação mundial, o hospital utiliza estratégias de vigilância constante de patógenos multidrogarresistentes (MDR). “A bactéria do gênero Pseudomonas é um patógeno frequente entre as infecções hospitalares e outras infecções relacionadas à assistência à saúde. Nem sempre essa bactéria apresenta-se de forma resistente aos antibióticos e a frequência com que isso acontece varia entre as instituições. O fato é que o número de infecções causadas por bactérias resistentes tem aumentado mundialmente. Este aumento deve-se, pelo menos em parte, ao uso indiscriminado de antibióticos e à disseminação da infecção entre pacientes por meio das mãos de profissionais de saúde. A Organização Mundial da Saúde lançou, em 2015, um alerta para este problema de saúde pública, conclamando os profissionais de saúde para o uso racional de antibióticos e apontando a necessidade de programas consistentes de higienização das mãos. No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, fazemos vigilância contínua e sistemática de patógenos multidrogarresistentes (MDR). Todos os pacientes admitidos no hospital e provenientes de outras instituições ou que tenham fatores de risco para portar uma bactéria MDR são mantidos em precauções de contato (uso de avental e luvas para seu atendimento) até que os testes para identificação destas bactérias sejam negativos. Da mesma forma, se, ao longo da internação, alguma bactéria MDR for identificada, o paciente é imediatamente colocado em precauções de contato e, em algumas situações, pacientes do mesmo andar ou da mesma unidade são investigados para o reconhecimento de eventual transmissão e implantação de medidas de bloqueio. Analisamos continuamente a incidência de infecções por bactérias MDR no hospital para podermos atuar precocemente em casos de elevação inesperada destes índices”, destacou Boszczowski.
Entre as ações gerais de prevenção de infecção hospitalar, o infectologista destaca a higienização das mãos. “A estratégia de maior importância ainda é a higienização das mãos por parte dos profissionais de saúde sempre antes e após examinar o paciente ou prestar algum tipo de cuidado. Para que a adesão a esta medida simples seja universal, nós empreendemos no HAOC um esforço grande para manter um programa de educação continuada em higienização das mãos. A fim de garantir estrutura excelente para a higienização adequada, revisamos continuamente as pias, dispensadores de sabão e papel toalha, além dos dispensadores de álcool de todo o hospital. Estes pontos de higienização de mãos não devem estar a mais de cinco passos do leito do paciente. Em alguns períodos (sem aviso prévio), observamos a adesão à higienização das mãos por parte dos profissionais de saúde durante o atendimento ao paciente. Após estas auditorias, nós apresentamos os resultados para os profissionais da instituição e discutimos os números. Os dados são apresentados em proporção de oportunidades aproveitadas. Por exemplo, se um profissional teve dez oportunidades para higienizar suas mãos durante um atendimento e o fez em apenas oito, terá 80% de aproveitamento. A análise contínua destes dados de consumo e aproveitamento de oportunidades, aliada a atividades de reforço positivo desta prática, tem apresentado grande sucesso no aumento da adesão”, detalhou Boszczowski, ratificando que o apoio e o comprometimento da alta administração são aspectos fundamentais para o sucesso de qualquer campanha de higienização das mãos nos hospitais.
Por fim, Sibelle Buonora comentou que, em termos de políticas públicas específicas para a cirurgia oftalmológica, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está em fase de revisão do pacote de orientações para cirurgias oftalmológicas seguras, mas que, ainda assim, há documentos orientadores das medidas para a higienização das mãos e para a realização de cirurgias seguras universais que podem ser implementados em qualquer tipo de cirurgia.
Isis Breves (Proqualis/Icict/Fiocruz)
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